O passageiro brasileiro não deve ter queixas com relação à qualidade dos jatos disponíveis para suas viagens intercontinentais. Quadrimotores como os Boeing 747 e Airbus A340 e A380. E a variedade de modelos bimotores como os Boeing 767, 777 e 787 e os Airbus A330 e A350. Será que ainda existem passageiros que fazem restrições a voar por horas e horas sobre grandes massas de água ou território inóspito dependendo apenas de dois motores?
Acho muito difícil. Muitos sequer sabem qual o modelo de jato utilizado pela companhia aérea de sua preferência. Outros, informados ou não, têm a percepção de que a utilização normal de determinado modelo de jato em certas rotas por empresa de boa reputação deve ser aceita como um atestado implícito de confiabilidade no equipamento oferecido aos seus passageiros como sendo a melhor opção para o voo na rota em questão.
Cada vez mais, os bimotores americanos e europeus ganham a preferência para as rotas longas, quando se pode prescindir da capacidade de um jumbo. Nestas condições, os jatos com dois motores também proporcionam maior rentabilidade para as aéreas, pois têm o tamanho “sob medida” de passageiros – o que aumenta o índice de ocupação –, além de custo operacional menor.
É claro que considerações técnicas que possam beneficiar o caixa de uma companhia estão longe de convencer os poucos passageiros que não se sentem seguros quando dependem do funcionamento perfeito de apenas dois motores. Os mais ansiosos fazem uma conta simples: se um dos motores falhar restará apenas 50% da potência para levar o jato a centenas ou milhares de quilômetros até um pouso seguro. E fica a pergunta: será que se trata de uma operação segura?
Claro que sim. Se ainda existisse a menor dúvida ela jamais seria aprovada pelas autoridades aeronáuticas em todo o mundo. Elas precisaram de muito tempo para, juntamente com fabricantes e empresas aéreas interessadas, testar e aprovar as operações conhecidas universalmente como ETOPS (Extended Twin Engine Operations) ou voos de longo alcance com bimotores.
Para que se começasse a cogitar numa operação que seria impensável nos anos 1970, os propulsores GE, Pratt&Whitney e Rolls-Royce tiveram de demonstrar sua enorme confiabilidade, registrando uma média de uma pane a cada 50 mil voos – uma incidência tão baixa que elimina maiores preocupações. A mesma confiabilidade foi exigida e comprovada para as operações do motor quando instalado no respectivo jato que incorpora sistemas elétricos, hidráulicos e anti-fogo à mais.
Com relação à aérea interessada, não basta que opere uma frota de bimotores aprovados para ETOPS. Também as tripulações precisam ser especialmente treinadas para estes voos. Satisfeitos estes requisitos, os mais longos voos transoceânicos ou sobre territórios desprovidos de aeroportos podem ser realizados rotineiramente.
Com o ETOPS o mundo se abriu para os bimotores, pois é permitido às empresas aéreas devidamente qualificadas se afastar a uma distância correspondente a até três horas em velocidade de monomotor (nos raríssimos casos de pane total de um dos propulsores) de um aeroporto em terra firme. Nos voos diretos entre São Paulo e Paris, por exemplo, um jato bimotor poderia se afastar cerca de 2 mil quilômetros de um aeroporto ao longo da rota. Foi uma verdadeira revolução no transporte aéreo, que abriu um novo mercado para uma grande família de excelentes equipamentos – alguns mais antigos e outros muito novos – que não perdem em segurança e conforto para os consagrados jumbos ainda em atividade.
Atualmente, o voo mais longo do mundo é realizado em uma aeronave com “apenas” dois motores, o Boeing 777-200LR. A rota operada pela Qatar Airways entre Auckland (Nova Zelândia) e Doha (Qatar) é realizada em 17h30, percorrendo 14,5 mil quilômetros. Durante a viagem o avião passa por dez diferentes fusos horários.
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