Estreando no Travelpedia, o engenheiro eletricista e jornalista Ernesto Klotzel é certamente o principal especialista da aviação em atividade no País. Veterano na área, foi chefe dos engenheiros de voo da Real Aerovias, onde voou nos Super Constellation, nas décadas de 1950 e 1960. Tem artigos publicados em diversos jornais e revistas e escreveu o livro Almanaque do Avião. Eventualmente ele estará aquicom informações nem sempre abordadas nos veículos de comunicação e mostrando um outro lado do mundo fascinante da aviação. No artigo de estreia ele fala sobre o Boeing 737, avião longevo e confiável que é comparado ao VW Fusca – o mascote do Travelpedia.
NOS BASTIDORES DO VOO – O bimotor Boeing 737 lançado em 1968 como 737-100 transformou-se ao longo dos anos em um recordista absoluto de vendas, quando se pensava que dificilmente o seu antecessor, o trijato Boeing 727-100/200, com quase 2 mil aeronaves vendidas, poderia ser alcançado. Como é habitual nos aviões comerciais de sucesso, o modelo original parece tosco quando comparado aos produtos derivados lançados ao longo do ciclo de vida útil do original para melhor atender as tendências do mercado e, principalmente, assimilar as mais importantes inovações da indústria aeroespacial.
Primeira empresa fora dos Estados Unidos a utilizar os Boeing 737, a Lufthansa voou com as aeronaves por quase 50 anos até que no final de 2016, encerrou as operações com o mais conhecido avião de passageiros a jato da história. No Brasil, os Boeing 737 chegaram em 1969 com as cores da Vasp, que trouxe quatro 737-200 – os primeiros da América Latina.
Segundo números da Boeing, mais de 1,2 mil Boeing 737 dos mais variados modelos estão em operação, qualquer que seja o momento durante as 24 horas de cada dia. E que mais de 4 mil destes jatos transportam aproximadamente 1,3 milhão de passageiros em todo o mundo, durante este período.
Nos 49 anos que decorreram desde o lançamento do primeiro modelo, a frota 737 tenha transportado cerca de 7 bilhões de passageiros ao longo da sua vida, e incontável quantidade de carga. Foram mais de 100 bilhões de quilômetros em milhões de horas de voo nas cores de companhias aéreas ou organizações em 115 países. A China United Airlines recebeu, recentemente, o 9.000º Boeing 737 produzido diretamente da fábrica.
Os números do sucesso do modelo explicam sua presença quase obrigatória tanto nos aeroportos das principais cidades no mundo, como em centenas de cidades-pares e localidades isoladas, cobrindo todo o planeta. Pode-se dizer que a evolução da frota mundial de Boeing 737 serviu, em muitos casos, de apresentação oficial do avião comercial em geral e do jato em particular, para milhares de pessoas. Muitas dessas pessoas sequer foram expostas à era do pistão e mesmo à hélices de qualquer espécie. Mesmo quando movidas à turbina.
Desafiante cheio de força
Desde 1970, a Boeing já não reina só. O advento do consórcio europeu Airbus Industrie, lançando sucessivamente jatos de pequeno, médio e longo alcance para os mesmos mercados, até pouco “reserva especial” da Boeing, criou novas opções para as companhias aéreas. Deixando de lado a disputa pelo mercado com a família Boeing 737, é difícil imaginar que os desafiantes Airbus A319, A320 e A321 atinjam o volume bruto de vendas que começou com o hoje primitivo 737-100 que largou muito na dianteira.
Bem junto a nós o viajante brasileiro já pode vivenciar a coexistência de dois conceitos e duas escolas de design. Enquanto a GOL opera a maior frota de Boeing 737-700NG (Next Generation), a Latam é um expoente mundial na operação de uma frota de Airbus A319, A320 e A321.
O costumeiro processo de modernização (tão radical em certos casos que se aproxima de um projeto novo) agora pressionado pela conquista gradual do mercado pela nova geração Airbus, motivou o lançamento da família Boeing 737NG. Era apenas lógico que deixasse para trás o desempenho dos fiéis 737 séries 200 a 500. Assim surgiram os 737-600, 700, 700ER, 800, 900, 900ER e 737MAX.
Generalizando, os NG voam à 11,9 mil metros de altitude, a uma velocidade de 770 km/h e com alcance cerca de 1.660 quilômetros – maior que os modelos chamados hoje de “clássicos”. Comparados a seus antepassados, os NG têm novas asas, trem de pouso, motores, instrumentação, eletrônica na cabine de comando e até Unidade Auxiliar de Energia – Auxiliary Power Unit (APU).
São jatos avançados para manter, principalmente diante de um bem preparado desafiante, a fidelidade de um mercado que se acostumou a comparar um Boeing 737, qualquer que seja a idade, filiação ou desempenho, com o primeiro automóvel realmente popular do após-guerra. Claro que estamos falando do pequeno notável, verdadeira preciosidade em engenharia automotiva: o Volkswagen Fusca, o besouro, beetle ou outros nomes carinhosos, dependendo da geografia.
Fotos: Wikimedia Commons (destaque) e Boeing/divulgação