A vida de um piloto de aviões pode ser um tanto curiosa, especialmente quando se comanda aeronaves gigantes, como o B747 e o B777, em voos intercontinentais. Imagine então ser mulher – neste meio ainda tão composto em sua maioria por homens. Pois está é a vida da holandesa Marlies Beek (46 anos), que seguiu a carreira do pai, e hoje em dia concilia seu papel como piloto experiente da KLM e como mãe.
Não lhe peça para escolher entre uma cama de hotel e a sua própria cama. Ela simplesmente ama sua vida demais para escolher. Voar é a vida dela! E entre os voos, ela trouxe 4 crianças ao mundo. E, ao que tudo indica, parece que sua filha de 12 anos irá seguir seus passos, assim como ela, Marlies, seguiu seu pai, que também era piloto da KLM. Ela até voou com ele. Quando trabalharam juntos no cockpit, ela era a terceira piloto, ou “co-copiloto”.
Na empresa desde 1991, desde 2010 atua como comandante a bordo dos voos intercontinentais da KLM. “Não me lembro do meu primeiríssimo voo. Mas lembro-me claramente dos voos para Nova York e Nairóbi que fiz nos primeiros tempos de minha carreira. Como muitos dos meus colegas, eu comecei como segundo oficial depois de me formar na academia de voo. Os segundos oficiais são designados para voos intercontinentais, o que significa que você passa a pilotar aeronaves maiores”, relata.
Dois anos como segundo oficial – Como segundo oficial, você é o piloto extra que permite que os outros pilotos descansem. Você não faz decolagens e aterrissagens, embora tenha treinado para fazê-las. Você só tem que sentar nos controles quando está em piloto automático e os outros estão descansando. Passei 2 anos fazendo isso.
Carreira – Depois desses 2 anos como segundo oficial, as coisas avançaram rapidamente. Me tornei uma copiloto a bordo do Boeing 747, onde permaneci por 4 anos. Então mudei para o B747-400, novamente como copiloto, e aí fiquei por um bom tempo. Meus filhos nasceram nesses anos. Também comecei a trabalhar como instrutora, junto com minhas obrigações de piloto. Quando me ofereceram o emprego de comandante em voos intercontinentais, agarrei a oportunidade com unhas e dentes.
Trabalho em equipe – Cada piloto tem listras nas mangas. Um copiloto tem 3, um comandante tem 4. Os que têm 4 listras têm a responsabilidade final, mas acredite, quando estamos voando, sempre discutimos o plano de voo uns com os outros. No cockpit, tudo é questão de trabalho em equipe e igualdade.
Herança – Meu pai era piloto e, claro, ele me deu o exemplo. Mas, de novo, isso realmente não é um trabalho só para homens. Nunca fui tratada de maneira diferente por ser mulher. Sou apenas um piloto que por acaso é uma mulher. É assim que eu vejo. Meu pai se chama Wim. Eu fui a copiloto no último voo dele como comandante. Foi incrível. Também trabalhei com ele como segundo oficial. Ele se aposentou em 2013.
Um emprego comum – Minha família está acostumada. É apenas um trabalho como outro qualquer. Um dos meus filhos também tem ambições de voar. Gosto disso, mas não é algo que eu espere. Quase não penso nisso, mas a verdade é que só cerca de 5% dos pilotos são mulheres. Então suponho que seja bem especial.
Amo meu trabalho – Meu trabalho é realmente uma fonte de imensa alegria. Faço o mesmo trabalho há 26 anos e ainda amo isso loucamente. Poucas pessoas podem dizer o mesmo sobre o trabalho delas, por isso sou muito grata. Se pudesse escolher novamente, escolheria ser piloto.
Trabalho e vida familiar – Essa é a única desvantagem do meu trabalho: às vezes tenho que trabalhar nos dias em que preferia não ir e perdi alguns eventos especiais dos meus filhos. No entanto, nunca vou trabalhar de mau humor. E quando não estou voando, sempre ponho em dia todos os momentos que perdi e os aproveito ainda mais.
Novas pessoas a cada vez – Sempre voo com novas pessoas. A tripulação do cockpit nunca é a mesma. Mas tudo ainda acontece sempre da mesma maneira, então sabemos o que esperar uns dos outros.
O toque humano – Apesar de seguirmos um plano de voo e de toda a rota ser traçada antecipadamente, temos que saber o que fazer se as coisas mudarem repentinamente ou se o vento mudar de direção. É bastante necessário um toque humano. Talvez seja por isso que nunca fique chato. Você está sempre sentado ao lado de uma pessoa diferente, que talvez nunca tenha conhecido antes.
Força muscular – Acho que os primeiros pilotos eram na maioria homens porque era preciso muita força muscular para decolar e aterrissar. Mas isso é passado. É uma carreira para homens e mulheres. Na verdade, na KLM, é um trabalho onde ter filhos não afeta o desenvolvimento da carreira. Dá sim para encontrar equilíbrio entre trabalho e vida familiar. Mas nós, mulheres, ainda temos um bom caminho a percorrer. Desde que entrei na KLM, o número de pilotos femininos subiu apenas de 4% para 5%.
Então, há muito espaço para melhorias. Acho que mais mulheres devem descobrir que esse é um trabalho fantástico. Você precisa ser capaz de lidar com o jetlag e com o fato de que você sempre trabalha com uma equipe diferente. Você também precisa ter uma afinidade com a tecnologia. Mas essas são coisas que se aplicam tanto a homens quanto mulheres. O que quero dizer é que este trabalho não é adequado para todos e nem todos são adequados para este trabalho. Mas, com certeza, seria bom ver mais mulheres fazendo isso.
Piloto típico – É preciso ter um número de qualidades específicas para ser piloto, como ser imune ao stress. Felizmente, isso não é necessário com muita frequência. Também é preciso ser decisivo – estar disposto e ser capaz de tomar decisões. Voar costumava ser mais técnico – tudo agora depende muito mais do trabalho em equipe. Acredito que o trabalho colaborativo sempre resulta em melhores operações. A única desvantagem é que você tem que ser capaz de lidar com o feedback. Então hoje em dia você realmente tem que ser capaz de ter empatia. E sim, habilidades analíticas, pensar no futuro e, portanto, cooperar. Estas são todas qualidades importantes.
Ousar ser vulnerável – Isso é fundamental. Com isso, quero dizer estar aberto aos outros, não se apegando às suas próprias ideias, mas desejando contribuir e ter disposição para mudar. Você não é frágil nem se quebra, mas está aberto. Isso é crucial para seu próprio desenvolvimento. No trabalho e além. Eu realmente acredito nisso.
O bom do meu trabalho? – Decolar e pousar. É sempre uma alegria. Mas tem mais. Saber que, apesar de estar em casa hoje, vou passear por Xangai amanhã. Com quem, o que, e como? Isso vou descobrir ao longo do caminho. E na semana seguinte, estarei de volta em Cingapura. Tornou-se normal para mim, mas na verdade está longe disso.
Sabedoria – Ser sempre quem sou é o que eu esperava conseguir em meus diferentes trabalhos. E na minha habilidade atual como comandante, tendo feito minha última mudança de carreira, por assim dizer, acho que posso dizer que ainda sou eu mesma. Eu sempre me perguntava se mudaria quando me tornasse comandante. Não mudei.
Fatos que mudam a vida – Filhos são as maiores mudanças na vida. Você se torna pai ou mãe e vive para eles. Isso torna você vulnerável e você muda seriamente seus pontos de vista sobre tudo. Você entra em algum tipo de força primordial, mas também ganha um grau de paz em sua vida. Estou muito feliz por ter me tornado mãe.
Um dia, quando eu crescer… – Falando de questões pessoais, espero que meus 4 filhos encontrem seus caminhos e felicidade em suas vidas. Em termos de trabalho, tenho como objetivo ser uma boa instrutora. Tive vários treinadores que me inspiraram e serviram como bons modelos. Espero ser o mesmo para futuros pilotos.
Desafio – Sempre há algo novo para aprender no meu trabalho, e novos desafios a enfrentar. Existe a operação padrão, é claro, mas sempre quero aprender mais com os outros. Quem sabe, eu possa até fazer algo diferente. A KLM realmente estimula seus funcionários a desenvolver seu potencial, mas o esforço tem que vir da própria pessoa.
Lições de vida – A vida tem seus altos e baixos. Eu acredito que sempre se pode crescer a partir dessas experiências, especialmente dos piores momentos. Veja só, mesmo que as coisas nem sempre saiam do jeito que você quer, no final, depois de um tempo – mesmo quando sua vida sofreu uma mudança drástica causada por outra pessoa – você se torna mais forte por isso, mesmo que demore um pouco.
Antes e agora – Quando comecei a voar, as pessoas ficavam praticamente inacessíveis se estivessem em um país distante. Já era uma grande coisa se o hotel tivesse um aparelho de fax. Agora podemos estar em contato o tempo todo. É tão diferente. Isso facilita muito a vida. É também mais difícil, quando não conseguem encontrar algo em casa, e eu estou dormindo em um fuso horário diferente – aquelas mensagens no meio da noite, “Mamãe???”, “Mãe???”. Lembro-me vividamente de caminhar ao longo da Grande Muralha da China com meu primeiro celular – eles não existiam há tanto tempo. Lembro de pensar como era bizarro que eu estava na Grande Muralha da China – longe, muito longe – e conseguindo telefonar para casa. Hoje em dia eu nem sempre deixo meu telefone ligado: o sono é precioso demais, especialmente quando há uma diferença de fuso horário.