Terra de lendas e mistérios que ultrapassam fronteiras, a Romênia é uma pérola a ser descoberta. Entrei no país para desbravar a Transilvânia, mas eu não havia definido um roteiro. Para resolver a questão, decidi comprar uma passagem para o primeiro trem do dia seguinte: destino – Sighișoara (lê-se Si-gui-xo-a-ra).
Caro leitor, não me julgue por viajar sem rumo no exterior. Tenho o costume de planejar uma parte da aventura e deixar alguns dias livres para ser levada ao ritmo do vento. E acabou sendo um vendaval e que me carregou – com muitíssima emoção – para uma cidadela medieval. 🙂
Tudo começou numa manhã de sexta-feira, acordamos (no plural mesmo, pois meu namorado viajava comigo) cedinho e chegamos esbaforidos a estação central de Brașov antes das 6h. O tíquete indicava que a locomotiva sairia às 6h05, porém descobrimos que os romenos não são exatamente pontuais e partimos apenas às 6h45.
Nos acomodamos nos assentos designados sem deixar de verificar se o trem era aquele mesmo. Tudo ok, chegara a hora de relaxar e curtir o trajeto. Quer dizer, isso era o que achávamos. Cerca de 50 minutos depois do início da viagem, o condutor informou algo em romeno pelo alto falante. Como não observamos nenhum tipo de comoção pensamos que seria algo sobre o tempo ou a condição da via. Ledo engano.
Mais 30 minutos se passaram até que um fiscal veio conferir nossas passagens. Pegou os recibos e arregalou os olhos. Fez sinal de “não”. Vendo que não compreendíamos sua língua saiu correndo pelo vagão procurando alguém que o ajudasse a traduzir o pepino. Voltou com um moço que tentou nos explicar com o auxílio do Google que o trem havia mudado a rota e não iria mais para Sighișoara e sim para Sibiu.
Ficamos assustados. Pouco depois a locomotiva diminuiu a velocidade e fomos aconselhados a descer (no meio do nada!), pois em breve haveria um trem rumo a Sighișoara. Descemos e o trem se foi. Observamos que havia uma casinha a uns 100 metros de distância e concluímos que deveria ser uma estação antiga pela placa da bilheteria desbotada.
Como não sabíamos se a próxima locomotiva pararia no arcaico ponto, optamos por ficar próximos à linha férrea a uns 30 metros da plataforma. Quase 1 hora de passou até ouvirmos o barulho do trem, levantamos as malas e sacudimos as blusas para sinalizar nossa presença. O maquinista apareceu, olhou nossos bilhetes e fez sinal para subirmos. Estávamos salvos e finalmente chegaríamos ao destino original. Ufa!
Tesouro medieval
Da estação não dava para ter ideia do que nos esperava. Caminhamos em direção ao centro histórico sem muita expectativa a não ser pela recomendação do bilheteiro de Brașov, porém ao fim da rua de terra vimos a ponte na qual cruzaríamos o rio bem ao lado de uma bonita Igreja Ortodoxa e isso pareceu ser um bom sinal.
Entramos numa rua de paralelepípedos para então subirmos rumo a cidadela e plaft! No panorama, a Torre do Relógio (Turnul Cu Ceas em romeno) dava o ar da graça e já nos deixava boquiabertos. A mão que estava livre coçava e tremia de vontade de tirar muitas fotos, contudo o cansaço definitivamente falou mais alto e corri para o albergue.
Quando a noite caiu, e com ela veio a neblina, a pequena cidade ganhou também um ar de “film noir”. Lembro que nesse primeiro passeio me senti como uma verdadeira donzela. As ruelas estreitas, as casinhas, as luzes noturnas, tudo combinava para transformar a experiência em algo inesquecível.
Me lembro até do gosto da sarmale, uma iguaria feita com carne de porco moída e arroz com ervas enrolada em uma folha de repolho, que comemos em um dos poucos restaurantes abertos já que fomos fora da temporada.
Na manhã seguinte – óbvio – eu só tinha um desejo: conhecer a Torre do Relógio. A construção, de 64 metros de altura, foi erguida no século 14, e é a mais importante das torres defensivas preservadas. Em 1676, um incêndio nos depósitos de pólvora de outra fortificação destruiu seu telhado que foi reconstruído no estilo barroco.
No século 17, figuras de madeiras que simbolizam os dias da semana, a noite e o dia, a paz, justiça e equidade foram anexados ao relógio que funciona perfeitamente até hoje. O pináculo da torre termina com uma pequena esfera dourada. No topo se encontra um galo meteorológico que, se movimenta com as correntes de ar, possibilitando a “especialistas” fazer a previsão do tempo.
Desde 1899, o local abriga um museu de história que conta com uma exposição de vestuário e objetos antigos, mas o que realmente interessa ainda está por vir… Suba a escadaria e contemple a cidade do terraço. Admire os telhados vermelhos das edificações que sobreviveram ao passar dos séculos por pouco mais de 10 lei, aproximadamente R$ 10,70.
Fiquei chocada que, nessa simples e humilde residência amarela, o nosso querido Vlad, governante da região da Valáquia e que inspirou o livro de Bram Stoker, viveu na infância.
Atualmente, o local abriga um restaurante, o Museu das Armas e o “berço” do “Empalador”. Será que ele já pensava em torturar pessoas quando morou ali? Medo da bad vibe! Registrei o momento com uma foto e parti.
Dá para ver que “Sighi”, como a cidade é carinhosamente chamada pelos romenos, tem muitas atrações uma bem pertinho da outra, ou seja, não dá pra ter pressa. Vou provar o que escrevo com mais uma afirmação, pois além de fazer parte do roteiro de municipalidades fortificadas da Romênia, ela existe desde o tempo do Império Romano e começou a ser construída aproveitando as antigas ruínas de muralhas. Quer mais? Também é Patrimônio Histórico da Unesco!
A zona turística é pequena, sendo fácil conhecê-la em um dia. Aproveite para observar as casinhas coloridas com mais de 500 anos, os cafés, bares, restaurantes, lojinhas e torres antigas. Ah! Não se esqueça de caminhar pela Praça Central e subir a escadaria coberta que leva ao topo da cidadela, mas aja fôlego, afinal são mais de 170 degraus.
Do alto você pode apreciar a vista do centrinho e aproveitar para checar um antigo seminário, onde atualmente funciona uma escola, construído em 1619 e uma magnífica igreja gótica erguida sobre as ruínas de uma fortaleza do ano 1200.
Nos fundos do templo, há um cemitério que nos lembra que as histórias horripilantes da Transilvânia podem ser mais do que simples lendas. Fiquei impressionada com os detalhes das lápides e quis registrar algumas delas tomando cuidado para não desrespeitar os que ali descansam.
O passeio se encerra com a chegada do coveiro que nos explica por meio de gestos que vive numa decadente capela ao lado dos túmulos. Ele sorriu quando perguntamos há quanto tempo ele trabalhava ali. Retribuímos o gesto e o deixamos sem a certeza de que ele era ou não mais um dos mitos da incrível Romênia.